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Prefeitura de Goiânia

Chefia da Casa Civil

DECRETO Nº 4.669, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2024

Nega executoriedade ao § 1º do art. 2º e ao § 5º do art. 4º, da Lei nº 11.269, de 7 de novembro de 2024, que institui e disciplina o Programa de Recuperação de Créditos Tributários, Fiscais e Não Tributários e autoriza a participação do Município de Goiânia na XIX Semana Nacional de Conciliação, referente ao exercício fiscal de 2024.

O PREFEITO DE GOIÂNIA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 115, incisos II e IV, da Lei Orgânica do Município de Goiânia; e o contido no Processo SEI nº 24.27.000004727-3,

DECRETA:

Art. 1º Fica negada a executoriedade ao § 1º do art. 2º e ao § 5º do art. 4º, da Lei nº 11.269, de 7 de novembro de 2024, publicada no Diário Oficial do Município - Eletrônico, Edição nº 8.422, de 22 de novembro de 2024.

Art. 2º Fica a Procuradoria-Geral do Município autorizada a adotar as providências imediatas para a propositura de Ação de Controle de Constitucionalidade e/ou Legalidade, junto ao Poder Judiciário, em face do § 1º do art. 2º e ao § 5º do art. 4º, da Lei nº 11.269, de 2024.

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, surtindo seus efeitos a partir de 22 de novembro de 2024.

Goiânia, 27 de novembro de 2024.

ROGÉRIO CRUZ

Prefeito de Goiânia

Este texto não substitui o publicado no DOM 8425 de 27/11/2024.

Exposição de Motivos do Decreto Nº 4.669/2024

Goiânia, 27 de novembro de 2024.

Excelentíssimo Senhor Prefeito,

1    Submetemos à apreciação de Vossa Excelência a presente minuta de Decreto, que nega executoriedade ao § 1º do art. 2º e ao § 5º do art. 4º, da Lei nº 11.269, de 7 de novembro de 2024, que institui e disciplina o Programa de Recuperação de Créditos Tributários, Fiscais e Não Tributários e autoriza a participação do Município de Goiânia na XIX Semana Nacional de Conciliação, referente ao exercício fiscal de 2024.

2    Nos termos do art. 23, inciso I, da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios zelar pela guarda da Constituição. Neste sentido, nenhuma lei ou ato normativo poderá subsistir se estiver em desconformidade com a Carta Magna, pois esta é fundamento de validade de todas as outras normas, nos termos do princípio da supremacia da Constituição.

3    A tais razões, insigne doutrina nacional, com apoio da jurisprudência, reconhece a prerrogativa do Chefe do Poder Executivo de negar o cumprimento de lei ou qualquer outro ato emanado do Poder Legislativo que afronte a Constituição Federal, em prol da sua defesa e garantia da sua supremacia sobre as demais normas.

4    Não se ignora que a decisão final sobre a inconstitucionalidade de uma lei é prerrogativa do Poder Judiciário (art. 102/CF). Todavia, tal fato não exime o Chefe do Executivo do poder-dever de negar executoriedade a um ato normativo reputado inconstitucional, mormente porque, frisa-se, compete a todos os Poderes a guarda da Constituição.

5    Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “o Poder Executivo deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional” (REsp n. 23.121/GO, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 6/10/1993, DJ de 8/11/1993, p. 23521). No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade do Chefe do Poder Executivo determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais (ADI 221 MC, Relator Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 29-03-1990, DJ 22-10-1993).

6    Assim, com o escopo de evitar que o Chefe do Poder Executivo seja obrigado a cumprir lei inconstitucional, é a ele conferida a prerrogativa de editar decreto negando executoriedade à lei que viole a Constituição Federal, acompanhada do ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que garantirá que a decisão final sobre a inconstitucionalidade advenha do Poder Judiciário.

7    Feitos tais esclarecimentos, pontua-se que o § 1º do art. 2º e o § 5º do art. 4º, da Lei nº 11.269, de 2024, foram devidamente vetados pelo Chefe do Poder Executivo no curso do processo legislativo, mas o veto foi rejeitado pelo Poder Legislativo. Ocorre que os dispositivos em questão padecem de flagrante inconstitucionalidade, como se passa a demonstrar.

8    O art. 4º, § 5º, da referida Lei determina que:

§ 5º Os honorários de sucumbência, que se referem apenas aos honorários da execução fiscal, serão pagos com redução de 50% quando o pagamento do débito oriundo deste programa for realizado de forma parcelada, e de 70% quando o pagamento for à vista, não desonerando o contribuinte do pagamento relativo aos honorários devidos em razão da desistência das ações antiexacionais, tais como declaratórias, anulatórias e embargos à execução.

9    Ao conceder o desconto sobre os honorários de sucumbência devidos nas execuções fiscais, a mencionada Lei disciplinou o regime para o pagamento dos honorários advocatícios de modo diverso daquele previsto na Legislação Processual Civil, ofendendo a regra de competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I, CF/88).

10    Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal possui entendimento robusto quanto ao caráter processual referente à regulamentação dos honorários advocatícios devidos ao advogado público e, por conseguinte, da sua submissão à regra de competência prevista no art. 22, I, da Constituição Federal. Veja-se:

EMENTA CONSTITUCIONAL. CONVERSÃO DO REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR EM JULGAMENTO DE MÉRITO. PRECEDENTES. REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA DEVIDOS AOS PROCURADORES DO ESTADO NO ÂMBITO DE PROGRAMA DE INCENTIVO À QUITAÇÃO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. NORMA PROCESSUAL. VIOLAÇÃO AO ART. 22, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA EDITAR NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. AFRONTA A PRECEDENTES NOS QUAIS RECONHECIDO O CARÁTER REMUNERATÓRIO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. (...) 2. O Supremo assentou a inconstitucionalidade formal e material de legislação estadual que, ao conceder benefício fiscal, ocasionou a redução de parcela da remuneração de agentes públicos locais (ADI 7.014, ministro Edson Fachin, DJe de 19 de dezembro de 2022). 3. Norma estadual que concede desconto de 65% sobre honorários de sucumbência devidos em ações tributárias e execuções fiscais ajuizadas cria regra para o pagamento de honorários advocatícios, em desrespeito à cláusula de competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). Precedentes. 4. Os dispositivos impugnados contrariam o quanto fixado pela União na norma geral – Código de Processo Civil –, em afronta ao art. 24, § 1º, da Constituição Federal. 5. O Supremo reconheceu a natureza remuneratória dos honorários advocatícios de certas carreiras públicas. Dessa premissa decorre logicamente a noção de que o legislador estadual não pode transigir e conceder benefício fiscal sobre parcela autônoma que compõe a remuneração dos Procuradores do Estado. 6. Medida cautelar ratificada, julgando-se procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 12 da Lei n. 22.571/2024 e do art. 12 da Lei n. 22.572/2024, ambas do Estado de Goiás. (ADI 7615 MC-Ref, Relator(a): NUNES MARQUES, Tribunal Pleno, julgado em 05-06-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 20-06-2024 PUBLIC 21-06-2024).

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 20.634, de 2021, do Estado do Paraná. Programa estadual de parcelamento de débitos por meio do qual se concede desconto sobre honorários de sucumbência titularizados pelos procuradores daquele estado. Norma de caráter processual. Violação ao art. 22, I, e 61, § 1º, II, e, da Constituição. Competência da união para edição de norma de caráter processual. Afronta a precedentes que reconhecem a natureza remuneratória dos honorários advocatícios. Ação direta julgada procedente. 1. Em mais de uma oportunidade, esta Corte assentou que a ANAPE (Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal) é parte legítima para questionar, através de ação direta, temas afetos à remuneração da classe que representa. 2. A norma estadual, ao conceder desconto de 85% sobre honorários de sucumbência, devidos em ações tributárias e execuções fiscais ajuizadas, criou nova regência para o pagamento de honorários advocatícios, de modo a ofender a regra de competência privativa da União para legislar sobre “direito processual” ( CRFB, art. 22, I). Precedentes. 3. O Supremo Tribunal Federal consolidou jurisprudência no sentido de que os honorários advocatícios podem compor a remuneração de determinadas carreiras públicas, sujeitando-se, assim, ao teto constitucional. É uma decorrência lógica de tal premissa a noção de que o Estado não pode transigir e conceder benefício fiscal que recai sobre parcela autônoma componente da remuneração dos seus Procuradores. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. (STF - ADI: 7014 PR, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 28/11/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-259 DIVULG 16-12-2022 PUBLIC 19-12-2022).

CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. ART. 174, §§ 1º E 2º, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 620/2011, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR 767/2014 DO ESTADO DE RONDÔNIA. PERDA PARCIAL DO OBJETO. ATRIBUIÇÃO DE PRERROGATIVAS PROCESSUAIS AOS PROCURADORES DE ESTADO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PROCESSUAL (ART. 22, I, DA CF). PROCEDÊNCIA. 1. Proposta de conversão de referendo de medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, considerando a não complexidade da questão de direito em discussão e a instrução dos autos, nos termos do art. 12 da Lei 9.868/1999. 2. A revogação expressa de alguns dos dispositivos da norma impugnada enseja a perda parcial do objeto da ação. 3. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 4. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União ( CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e Municípios ( CF, arts. 24 e 30, I). 5. A norma impugnada, ao atribuir prerrogativas processuais aos Procuradores de Estado, atuou para além do que lhe cabia, incorrendo em usurpação de competência federal que encerra violação ao texto constitucional ( CF, art. 22, I). 6. Medida Cautelar confirmada e Ação Direta, na parte em que conhecida, julgada procedente. (STF - ADI: 5908 RO, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 20/11/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 04/12/2019)

11    Do mesmo entendimento não destoa o Tribunal de Justiça de Goiás:

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3°, §3º DA LEI MUNICIPAL Nº 2.723/2023 DO MUNICÍPIO DE SENADOR CANEDO. NÃO INCIDÊNCIA DO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DÉBITO TRIBUTÁRIO AJUIZADO. REQUISITOS VERIFICADOS. Satisfeitos os requisitos da plausibilidade jurídica do objeto da ação, fumus boni juris, tendo em conta a aparente violação ao sistema de repartição de competências, conquanto, a norma em questão disciplina acerca da não percepção de honorários de sucumbência em ações de cobrança de débito tributária especificadas, matéria cuja disciplina legal encontra-se reservada à União, bem como o periculum in mora, visto na permanência de norma formalmente viciada e da natureza alimentar da verba honorária, é o caso de deferir a medida cautelar para suspender os efeitos do art. 3º, §3º da Lei nº 2.723/2023 do Município de Senador Canedo. CAUTELAR DEFERIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimentos Especiais -> Procedimentos Regidos por Outros Códigos, Leis Esparsas e Regimentos -> Direta de Inconstitucionalidade 5815955-24.2023.8.09.0000, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR LEOBINO VALENTE CHAVES, Órgão Especial, julgado em 15/12/2023, DJe de 15/12/2023)

12    Verifica-se, assim, que o § 5º do art. 4º da Lei nº 11.269, de 2024, padece de inconstitucionalidade formal por invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I, CF/88), conforme fora detidamente explanado na Mensagem de Veto nº 57/2024, publicada na Edição nº 8413 do Diário Oficial do Município - Eletrônico, de 7 de novembro de 2024.

13    Ademais, a respeito do assunto, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento segundo o qual o pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos é constitucional, compondo a remuneração da referida categoria, de tal forma que não pode o Município conceder desconto sobre tal parcela, uma vez que não se trata de receita pública. Nesse sentido, cita-se os seguintes julgados:

DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS POR ADVOGADOS PÚBLICOS. PARCIAL PROCEDÊNCIA. 1. Ação direta em que se discute a constitucionalidade dos arts. 43-§ 1º e 91 da Lei Complementar 20/1994, com redação das Leis Complementares 65/2003 e 206/2017 que dispõem sobre o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência a Procuradores do Estado do Maranhão. 2. Em recente decisão, proferida em caso análogo à presente ação, o Plenário do Supremo Tribunal firmou os seguintes entendimentos: i) o pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos é constitucional; ii) o recebimento da verba é compatível com o regime de subsídios, nos termos do art. 39, § 4º, da Constituição; e iii) os honorários sucumbenciais, somados às demais verbas remuneratórias, devem estar limitados ao teto constitucional disposto no art. 37, XI, da Constituição (ADIs 6165, 6178, 6181, 6197, Rel. Min. Alexandre de Moraes, e ADI 6053, Rel. para acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgadas na Sessão Virtual de 12.06.2020 a 19.06.2020). 3. Ação direta julgada parcialmente procedente, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional o pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos, observando-se, porém, o limite remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição”. ADI 6166, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08-09-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 23-09-2020 PUBLIC 24-09-2020).

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POR ADVOGADOS PÚBLICOS. POSSIBILIDADE. ADI 6053. VEDADA A COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS, A ELES PERTENCENTES, COM VALORES DEVIDOS PELO ENTE PÚBLICO QUE INTEGRAM. 1. No julgamento da ADI 6053, em que constei como redator para acórdão, Dje. 30/7/2020, o Plenário desta SUPREMA CORTE assentou assentou a possibilidade de recebimento de verba de honorários sucumbenciais por advogados públicos, cumulada com o subsídio, desde que respeitado o teto constitucional do funcionalismo público. 2. O referido precedente paradigma projeta os seguintes entendimentos: i) o pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos é constitucional; ii) os honorários de sucumbência fixados na sentença favorável ao ente público pertence a seus advogados ou procuradores, consistindo verba autônoma e destacada de eventual direito material do ente representado; iii) o recebimento da verba é compatível com o regime de subsídios, nos termos do art. 39, § 4º, da Constituição; e iv) os honorários sucumbenciais, somados às demais verbas remuneratórias, devem estar limitados ao teto constitucional disposto no art. 37, XI, da Constituição. 3. Assim, na forma da parte final do § 19 do Art. 85, do Código de Processo Civil, não há mais falar em compensação dos honorários de sucumbência devidos aos procuradores públicos, com o valor que o ente que integram deve pagar, a esse título, para a parte adversa. 4. Agravo e Recurso Extraordinário com Agravo providos, afastando a compensação de verba honorária estabelecida nas instâncias de origem. (ARE 1464986 AgR, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO (Presidente), Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 21-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 06-03- 2024 PUBLIC 07-03-2024)

14    De sua vez, o art. 2º, § 1º, da referida Lei determina que:

§ 1º A adesão aos benefícios desta Lei deverá abranger o período referente à XIX Semana Nacional de Conciliação do exercício de 2024, de maneira que, para os débitos vencidos até 31 de agosto de 2024, a adesão ao programa será até o dia 31 de dezembro de 2024; e, para s débitos vencidos até 31 de dezembro de 2023, a adesão ao programa será até o dia 28 de fevereiro de 2025.

15    Da análise do processo legislativo que deu origem à aludida lei, observa-se que a redação do dispositivo acima transcrita adveio de emenda parlamentar que estendeu o prazo para adesão ao Programa de Regularização Fiscal - Refis. No projeto original, encaminhado pelo Chefe do Poder Executivo, o contribuinte poderia usufruir dos benefícios e descontos concedidos no programa de regularização fiscal dentro do prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data da publicação da lei. Após a emenda parlamentar, foi permitida a adesão ao programa até o dia 28 de fevereiro de 2025.

16    Destaca-se que o Refis, em síntese, concede como benefício ao contribuinte a redução da multa moratória, da multa punitiva e dos juros de mora dos débitos tributários, fiscais e não tributários, observando-se proporcionais percentuais de desconto para pagamento à vista ou parcelado do crédito principal. Caracterizada, portanto, a concessão de anistia, prevista no art. 180 e seguintes do Código Tributário Nacional - CTN, depreende-se que, para ampliação da sua concessão, seria necessária a realização de prévio estudo de impacto orçamentário-financeiro.

17    O Novo Regime Fiscal, instituído pela Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, acrescentou o art. 113 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, que assim prevê "A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro."

18    No julgamento da ADI 6303/RR, o Supremo Tribunal Federal - STF firmou entendimento no sentido de que o art. 113 do ADCT é aplicável a todos os entes federativos, de modo que a proposição legislativa federal, estadual ou municipal que crie ou altere despesa obrigatória ou renuncie receita sem a prévia estimativa de impacto orçamentário e financeiro padece de inconstitucionalidade formal. Veja-se:

EMENTA: Direito constitucional e tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. IPVA. Isenção. Ausência de estudo de impacto orçamentário e financeiro. 1. Ação direta contra a Lei Complementar nº 278, de 29 de maio de 2019, do Estado de Roraima, que acrescentou o inciso VIII e o § 10 ao art. 98 da Lei estadual nº 59/1993. As normas impugnadas versam sobre a concessão de isenção do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) às motocicletas, motonetas e ciclomotores com potência de até 160 cilindradas. 2. Inconstitucionalidade formal. Ausência de elaboração de estudo de impacto orçamentário e financeiro. O art. 113 do ADCT foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 95/2016, que se destina a disciplinar “o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União”. A regra em questão, porém, não se restringe à União, conforme a sua interpretação literal, teleológica e sistemática. 3. Primeiro, a redação do dispositivo não determina que a regra seja limitada à União, sendo possível a sua extensão aos demais entes. Segundo, a norma, ao buscar a gestão fiscal responsável, concretiza princípios constitucionais como a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (art. 37 da CF/1988). Terceiro, a inclusão do art. 113 do ADCT acompanha o tratamento que já vinha sendo conferido ao tema pelo art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, aplicável a todos os entes da Federação. 4. A exigência de estudo de impacto orçamentário e financeiro não atenta contra a forma federativa, notadamente a autonomia financeira dos entes. Esse requisito visa a permitir que o legislador, como poder vocacionado para a instituição de benefícios fiscais, compreenda a extensão financeira de sua opção política. 5. Com base no art. 113 do ADCT, toda “proposição legislativa [federal, estadual, distrital ou municipal] que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”, em linha com a previsão do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. 6. A Lei Complementar do Estado de Roraima nº 278/2019 incorreu em vício de inconstitucionalidade formal, por violação ao art. 113 do ADCT. 7. Pedido julgado procedente, para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei Complementar nº 278, de 29 de maio de 2019, do Estado de Roraima, por violação ao art. 113 do ADCT. 8. Fixação da seguinte tese de julgamento: “É inconstitucional lei estadual que concede benefício fiscal sem a prévia estimativa de impacto orçamentário e financeiro exigida pelo art. 113 do ADCT.”. (ADI 6303, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 17-03-2022 PUBLIC 18-03-2022)

19    Assim, na esteira da jurisprudência do STF, a estimativa do impacto financeiro e orçamentário, prevista no art. 113 do ADCT, constitui requisito adicional para a validade formal da lei que cria ou aumenta despesa obrigatória ou renúncia de receita, de forma que a sua ausência implica na inconstitucionalidade formal da lei.

20    In casu, a emenda parlamentar ampliou a concessão da anistia, isto é, aumentou a renúncia de receita, sem a realização da prévia estimativa do impacto orçamentário e financeiro, razão pela qual o § 1º do art. 2º da Lei nº 11.269, de 2024, padece de inconstitucionalidade formal por violação da regra prevista no art. 113 do ADCT.

21    Além dos vícios de inconstitucionalidade acima apontados, verifica-se também que a apreciação do veto do Chefe do Poder Executivo pelo Poder Legislativo não observou o devido processo legislativo, uma vez que não foi respeitado o prazo mínimo de 24h (vinte e quatro horas) entre a votação na Comissão de Constituição e Justiça e a votação no Plenário.

22    Nesse sentido, José Afonso da Silva[1] ensina que o “processo legislativo é um conjunto de atos preordenados visando a criação de normas de Direito. Esses atos são: a) iniciativa legislativa; b) emendas; c) votação; d) sanção e veto; e) promulgação e publicação”. Deste modo, a “sanção - ou veto” constitui parte integrante do processo legislativo, sendo certo que o poder de veto atribuído ao Chefe do Poder Executivo representa importante instrumento para o adequado funcionamento do sistema de freios e contrapesos, assim como a consequente apreciação do veto pelo Poder Legislativo, que deverá observar o rito procedimental estabelecido.

23    Em âmbito municipal, as regras do processo legislativo estão previstas na Lei Orgânica do Município de Goiânia e no Regimento Interno da Câmara Municipal, destacando-se o que dispõe o art. 60, § 1º, do Regimento Interno:

Art. 60. A Ordem do Dia, terá duração de duas horas, a partir do término do Expediente e se destina à discussão e votação das matérias constantes da Pauta e ao uso da palavra.

§ 1º As proposições somente serão incluídas na Ordem do Dia, para a primeira e segunda fases de discussão e votação, após 24 (vinte e quatro) horas, no mínimo, a contar da data de manifestação conclusiva da Comissão pertinente.

24    In casu, em razão da ausência do presidente Henrique Alves - MDB e do vice Willian Veloso - PL, a reunião da Comissão de Constituição e Justiça - CCJ, que aprovou a rejeição do veto do Chefe do Executivo iniciou-se depois das 10h do dia 13 de novembro de 2024, conforme fora amplamente noticiado na imprensa (hps://www.jornalopcao.com.br/goiania/vereadores-derrubam-veto-do-refis-na-ccjr656217/#google_vignette). De outro lado, a rejeição do veto em Plenário foi aprovada em sessão iniciada às 8h do dia 14/11/2024, sendo evidente, portanto, que não foi observado o prazo de 24h (vinte e quatro horas) acima descrito.

25    Verifica-se, portanto, que não foi observado o devido processo legislativo, princípio constitucional que garante a defesa do processo democrático. Nesse sentido, cita-se:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR - LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE MARATAÍZES EMENDA A LEI ORGÂNICA VIOLAÇÃO DE ORDEM PROCEDIMENTAL PROMULGAÇÃO PELO PRESIDENTE DA MESA IMPOSSIBILIDADE OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA SIMETRIA REGIMENTO INTERNO INOBSERVÂNCIA VOTAÇÃO EM REGIME EXTRAORDINÁRIO IMPOSSIBILIDADE NECESSIDADE DE AGUARDAR O INTERSTÍCIO DE TRÊS SESSÕES ORDINÁRIAS - LIMINAR CONCEDIDA. 1 O princípio da simetria reforça o comando federativo da República, forçando os entes a se portarem em adequação ao que resta estabelecido junto a Constituição. 2 Descabe ao Presidente do Legislativo Municipal avocar para si a promulgação de Emenda a Lei Orgânica Municipal, havendo expressa disposição atribuindo tal responsabilidade a mesa diretora da casa. Desrespeito a previsão do artigo 60, § 3º, da Constituição Federal e artigo 62, § 2º, da Constituição Estadual. 3 A aprovação de emenda à Lei Orgânica Municipal requer o transcurso do prazo de 03 (três) sessões ordinárias para discussão da votação, sendo irregular a apresentação do projeto e sua aprovação em sessão extraordinária, sem o respeito ao prazo previsto regimentalmente. 4 Liminar deferida. (TJ-ES - ADI: 00372841920188080000, Relator: WALACE PANDOLPHO KIFFER, Data de Julgamento: 11/04/2019, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 24/04/2019)

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO À LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 033/2010. AFRONTA À CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARA. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE PLANO DE CARGOS, CARREIRA E SALÁRIOS DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO MUNICÍPIO DE BARCARENA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DE COMISSÃO PERMANENTE DAS COMISSÕES DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE ECONOMIA E FINANÇAS. PRECEDENTES STF. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL, COM EFEITOS EX TUNC. 1. O reconhecimento da inconstitucionalidade por meio do controle concentrado impõe a exclusão da norma impugnada do ordenamento jurídico, de forma a preservar a supremacia formal e material da carta política estadual. 2. O Projeto de Lei Complementar de notório impacto econômico e financeiro uma vez que prevê a progressão funcional e remuneratória dos professores de educação básica do município de Barcarena sem a apreciação e emissão de Pareceres das Comissões de Constituição e Justiça e de Economia e Finanças da Câmara Municipal de Barcarena durante o Processo Legislativo, viola o artigo 205, I da Constituição do Estado do Para, sendo, portanto, patente a sua inconstitucionalidade. 3. Documentos que comprovam que o texto legal impugnado não foi apresentado à Comissão de Constituição e Justiça e de Economia e Finanças. Violação ao devido processo legislativo ao não ser encaminhado o projeto de lei para a apreciação das referida comissões conforme prevê o próprio Regimento Interno da Câmara Municipal de Barcarena em seu artigo 46, § 1º, II. 4. Ação julgada procedente, reconhecendo a inconstitucionalidade formal da Lei Complementar nº 33/2010 do Município de Barcarena, com efeitos erga omnes e ex tunc. n style="fontfamily: arial, helvetica, sans-serif;" > n> text-align: center;"> ACÓRDÃO Acordam, os Excelentíssimos Desembargadores integrantes do Órgão Pleno do TJE/PA, à unanimidade, EM CONHECER E JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, nos termos do voto relator. Sessão Ordinária do Órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, realizada no dia 26 de abril de 2023. Sessão presidida pela Exma. Sra. Desa. Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos. Belém, 26 de abril de 2023. DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO RELATOR. (TJ-PA - DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: 0000442-14.2014.8.14.0000, Relator: LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Data de Julgamento: 26/04/2023, Tribunal Pleno)

26    Há de se destacar que a regularidade da atuação das comissões temáticas previstas no art. 83 da Lei Orgânica do Município de Goiânia e no art. 17 da Constituição do Estado de Goiás, bem como a observâncias dos prazos regimentais, são essenciais à composição do devido processo legislativo, na medida em que garantem a efetiva discussão da matéria, sem encurtar o debate.

27    Sendo assim, in casu, observou-se que o procedimento para apreciação do veto do Chefe do Poder Executivo não atendeu às normas que estabelecem o rito procedimental, violando, por consequência, o devido processo legislativo, preceito fundamental da Constituição da República, fato esse que justifica a edição do citado decreto de não executoriedade.

28    Essas são as razões pelas quais encaminho a presente proposta de decreto à Vossa Excelência.

Respeitosamente,

CLEYTON DA SILVA MENEZES

Secretário Municipal de Finanças